Conflito em São Pedro dos Cacetes revela disputa histórica por terras indígenas no Maranhão

 

São Pedro dos Cacetes, um lugar próspero com muitos agricultores

O termo “índios invadem”, historicamente utilizado para se referir aos acontecimentos em São Pedro dos Cacetes, está ligado a um longo e violento conflito agrário e territorial envolvendo os povos indígenas Guajajara (Tentehar) e ocupantes não indígenas no município de Grajaú, no Maranhão. A expressão foi amplamente difundida nas décadas de 1980 e 1990, mas não corresponde ao entendimento jurídico atual sobre o caso.

São Pedro dos Cacetes e a Terra Indígena Cana Brava

O povoado de São Pedro dos Cacetes foi fundado entre 1952 e 1995 dentro dos limites da Terra Indígena Cana Brava, área oficialmente demarcada em 1977 pelo Estado brasileiro. Mesmo após a demarcação, centenas de famílias não indígenas permaneceram no território, o que deu origem a décadas de tensão.

A Terra Indígena Cana Brava é tradicionalmente ocupada pelo povo Guajajara, um dos maiores grupos indígenas do Maranhão, conforme registros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai):
https://www.gov.br/funai

Um povoado próspero com forte organização social

Durante décadas, São Pedro dos Cacetes foi um povoado agrícola próspero, com produção rural ativa e forte identidade comunitária. Entre os moradores destacavam-se Martins Dias de Abreu, conhecido como Martins Garimpeiro, e seu filho Izaque Dias de Abreu, que trabalhava na fabricação de móveis de madeira.

O povoado possuía dois templos religiosos, um católico e outro da Assembleia de Deus, refletindo a diversidade religiosa local. Geograficamente, era dividido por um lago, com São Pedro de um lado e os Cacetes do outro, área que também marcava, à época, a divisa entre os municípios de Grajaú e Barra do Corda.

Memória, cotidiano e relatos de ex-moradores

Ex-moradores relatam que crianças e adolescentes estudavam no Colégio Sirino Rodrigues, em Grajaú, e tinham como professor Gonçalo Correia Furtado, conhecido como Gonçalinho. Após as aulas, era comum o banho no lago que separava as duas partes do povoado.

Durante a infância, práticas de troca faziam parte do cotidiano, como a permuta de cabides artesanais de madeira por galinhas, produzidos por Izaque Dias de Abreu, reforçando os laços comunitários e a economia local baseada na subsistência.

Esses relatos ajudam a preservar a memória social de São Pedro dos Cacetes, frequentemente ausente das narrativas oficiais.

Intensificação do conflito e protestos em 1992

Apesar da demarcação da terra indígena, o Estado demorou a retirar os ocupantes. Em 1992, os indígenas Guajajara protestaram contra a permanência de 511 famílias, chegando a interromper o tráfego da BR-226, episódio que ganhou repercussão nacional.

Reportagens da época registraram o aumento da tensão e a cobrança por uma solução definitiva por parte do Governo Federal, como noticiado pela imprensa nacional:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/18/brasil/8.html

A crise de 1995 e a atuação da Funai

Em 18 de julho de 1995, o então administrador da Funai, José Dilamar Pompeu, afirmou que os indígenas pretendiam retirar as famílias remanescentes do povoado, diante do não cumprimento do prazo de reassentamento pelo governo estadual.

Na época, cerca de 3.700 indígenas viviam em uma área de 130 mil hectares, extensão semelhante à área da cidade de São Paulo. O superintendente estadual para Assuntos Indígenas, coronel José Ribamar Monteiro, declarou que as famílias seriam reassentadas na gleba Remanso, com apoio financeiro do Banco Mundial, incluindo construção de casas, estradas, água e energia elétrica.

Informações sobre conflitos e territórios indígenas no Maranhão também são analisadas por instituições independentes, como o Instituto Socioambiental:
https://terrasindigenas.org.br

Desocupação e criação do povoado Remanso

Após a posse da governadora Roseana Sarney, em 1995, o processo de desocupação de São Pedro dos Cacetes foi acelerado. As famílias não indígenas foram transferidas para o povoado Remanso, localizado a cerca de 18 km de Grajaú, onde foram assentadas em lotes de aproximadamente 13 hectares.

O Remanso passou a concentrar a população removida de São Pedro dos Cacetes, encerrando definitivamente a ocupação irregular dentro da Terra Indígena Cana Brava.

São Pedro dos Cacetes hoje: aldeia indígena

Atualmente, São Pedro dos Cacetes é uma aldeia indígena, integrada à Terra Indígena Cana Brava. O antigo povoado deu lugar a uma comunidade indígena que preserva língua, cultura, rituais e modos de vida tradicionais, fortalecendo a identidade do povo Guajajara.

Estudos acadêmicos apontam o caso como exemplo da demora do Estado brasileiro em cumprir decisões de demarcação, fator que contribuiu para décadas de violência e insegurança, como analisado em pesquisas universitárias:
http://www4.unifsa.com.br/revista/index.php/fsa/article/view/1625

Por que o termo “invasão” é incorreto juridicamente

Embora o termo “invasão” tenha sido utilizado historicamente por setores contrários à demarcação, a Constituição Federal de 1988 reconhece que os povos indígenas possuem direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Do ponto de vista jurídico, o que ocorreu em São Pedro dos Cacetes foi a retomada de um território indígena já demarcado, após décadas de omissão do poder público.

Fonte: Funai, Justiça Federal, Folha de S.Paulo, Instituto Socioambiental, estudos acadêmicos

Tags: São Pedro dos Cacetes, Terra Indígena Cana Brava, Guajajara, Grajaú MA, Remanso, conflito agrário, terras indígenas, povos indígenas do Maranhão, história indígena

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Prefeito de Turilândia, primeira-dama e ex-vice seguem presos e são transferidos para Pedrinhas

SEMINÁRIO BETESDA DE ENSINO SISTEMÁTICO- SEBEES